Tuesday, August 26, 2008

Foto em preto e branco

Window at the Borderline by etereal

Embora eu goste do jasmim,
a brancura das coisas desgosta-me,
recorda-me o lençol de meu pai (1989),
recorda-me a neutralidade dos países não aliados nas últimas guerras,
gratuitamente, desencadeadas,
recorda-me a minha infância, branca como a neve, com voz sem gelo,
recordar-me o papel de fumar para enrolar um cigarro às escondidas de minha mãe...
recorda-me o meu tempo de neve à Saravejo (1980),
recorda-me as minhas noites brancas em São Petersburgo,
após um " vou ver se apanho-te",
durante um beijo roubado, pela última vez no Museu Hermitage (1984),
recorda-me o vinho branco que bebi com meu irmão M à casa do Escritor,
recorda-me o papel higiênico, mas, onde está a toalete?!
recorda-me a folha, sem a menor palavra verde,
recorda-me o papel de carta à procura de um possível coração vermelho,
recorda-me uma linha em branco, totalmente, perdida, no Mar Negro,
recorda-me os meus cabelos que ficaram brancos durante a guerra do Golfo...

embora eu goste do jasmim,
a brancura das coisas desgosta-me.
mas, apesar de tudo,
pinto, ainda, de branco
para denunciar o culpado de cada paradoxo vivido, em nós, até hoje.
esperarei pelas andorinhas,
não demoram em chegar...

Tunisia, agosto 26,2008

Monday, August 25, 2008

Um pouco de chocolate

Escrevo e apago
nada de interessante
o mesmo arquipélago
com a mesma gente
com o mesmo desejo abortado desde 1492
escrevo e apago
nada de interessante
um olhar se perde no horizonte
deixando de lado todo um mundo mal feito
escrevo e apago
como poeta deste mundo
Imagino outro mundo sem lixo e sem fumo
necessito de outro planeta de bolso
para percorrê-lo a pé, em dez horas no máximo
necessito sentir, se possível, outro cheiro duma vida simples
com uma mulher embriagada pela bondade da utopia de cada momento
como poeta …
necessito de outro planeta sob forma dum ovo
sobre o qual dorme um povo
com os olhos entreabertos
e o coração que bate, sem cessar, durante a noite
como poeta da África branca com um azul mediterrânico
necessito poetizar este mundo feo
convertendo minhas palavras em pássaros que voam sem asas
e fazem a primavera de cada dia
escrevo e apago
apago e escrevo
e como poeta da África do Norte
necessito de outro planeta com pouca gente
e dum pouco de chocolate
para apagar a amargura deste mundo mal feito.
apago o que escrevo
e quedo silencioso, sozinho e múltiplo
imaginando outro poeta atrevido
que pode fazer, em vez de mim, algo concreto.